segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Fábrica de Sonhos




Por,
Ana Paula Brito
Pamela Alexandre
Silvana Gotardi


A entrada é toda ladrilhada com garrafas recicladas, as portas feitas de bolinha de gude, o chão repleto de notas musicais e as paredes cobertas por grafitti do grupo Gente Muda. No terraço, o desenho em 3D de uma praia de tão perfeito poderia ser real, não fosse a cobertura cinza dos telhados da vizinhança ao redor.

Somente depois de percorrer todo esse espaço é possível entender o significado do nome "Fábrica de Criatividade".

O centro cultural, localizado no bairro Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo, foi inaugurado em 2005. A idéia surgiu em 1997, quando o fundador, Denilson Shikako, resolveu criar um espaço onde moradores da periferia tivessem acesso a diversas formas de arte.

No entanto, uma tragédia colocou em risco o nascimento do projeto. Em 2000, o pai de Denilson foi assassinado, vítima de um assalto. O pensamento era um só: deixar o país o mais rápido possível. Mas a dor da perda se transformou em força e, com a ajuda de amigos e familiares, Denilson decidiu ficar e dar vida ao seu grande sonho. Nasce então, a "Fábrica de Criatividade".

Atualmente, o projeto oferece 29 cursos, como teatro, dança, canto e pintura. As mensalidades cobradas têm valor muito abaixo do mercado e ajudam a manter a Fábrica funcionando. Há também, a concessão de bolsas de estudos àqueles alunos que não podem pagar.

Com o aperto financeiro, Denilson teve que vender seu automóvel e comprometer suas economias para quitar as dívidas da Fábrica.

De acordo com Maria Fernanda Carmo, coordenadora do núcleo pedagógico da Fábrica de Criatividade, o projeto não recebe nenhuma ajuda do governo e enfrenta dificuldades para continuar atendendo à comunidade.

"Podemos  atender à população de baixa renda somente quando temos nossos projetos aprovados e a verba captada via leis de incentivo. Em 2008, tivemos 600 alunos estudando gratuitamente e envolvidos com a proposta da instituição, por meio da verba investida pela lei Rouanet. Transformamos o dinheiro recebido em valor suficiente para promover mais de 60 eventos culturais para a comunidade e conceder muitas bolsas de estudos".
 
Nos últimos anos, mesmo com algumas leis de incentivo à cultura, o déficit de apoio à produção cultural ainda é grande.  Conseguir patrocínio para as atividades culturais e suporte financeiro para manter os cursos não tem sido uma tarefa fácil para os gestores da Fábrica de Criatividade.


Vernissage da Exposição "Sentidos" - Gente Muda
 
"Descobrimos, na prática desses anos, que é estritamente necessário manter um núcleo de sustentabilidade, composto por profissionais que se preocupem apenas com a gestão financeira do projeto. O que acontece, muitas vezes, em instituições  como a nossa, é que elas começam os projetos sem uma organização mínima que se deve ter para funcionar. Temos o projeto educacional aprovado por duas leis de incentivo à cultura, o que não é suficiente para manter a Fábrica funcionando como deve ser."
 
Desde 2006, a Fábrica de Criatividade abre suas portas para eventos culturais gratuitos destinados à comunidade. Pessoas que nunca tiveram a oportunidade de ir à uma exposição de arte, ou assistir à uma peça de teatro, têm acesso livre aos eventos, e melhor, na região onde vivem. Mas qual é a mobilização da periferia?

Segundo Maria Fernanda, formação de público é um fator essencial para que essa mobilização aconteça, e não é algo tão simples. Depende de divulgação e da possibilidade de um real acesso ao que se oferece.
 
"Fazer chegar à população a proposta do projeto é algo que exige tempo, dedicação e dinheiro. Em primeiro lugar, formou-se uma equipe responsável por tecer a rede com o entorno - escolas, espaços sedes de movimentos culturais, pessoas. A equipe saía para divulgar as atividades da Fábrica de Criatividade, estabelecer parcerias, oferecer o espaço para escolas e artistas, oferecer bolsas nos cursos para os moradores da região. Aos poucos, a organização começou a ser reconhecida como um espaço cultural que promovia eventos de qualidade gratuitos e uma referência de educação em artes."


Estrutura interna da Fábrica de Criatividade

Mesmo com tantas dificuldades, o sonho está realizado e a Fábrica de Criatividade continua produzindo novos sonhos todos os dias, dando voz e perspectivas a uma parcela excluída da sociedade, promovendo a tão falada democratização cultural.



"A periferia vem se mostrando cada vez mais. E os seus moradores estão entendendo que não são meros expectadores da vida, mero peões, meros soldados, sempre executando planos alheios, dos então donos dos meios de produção. Vêm percebendo e sentindo, que são produtores, autores e atores da própria vida, da construção do mundo. E essa sensação de novo sentimento se deu a partir dos diversos movimentos culturais, que bradam a cultura da periferia para todos ouvirem.” explica Maria Fernanda.

Ao longo da história de formação dos pólos urbanos, a lógica que se estabeleceu para a relação entre o centro e a periferia definiu que o primeiro produz o que o segundo recebe por não ter capacidade de gerir. Hoje a inversão dessa lógica é muito clara. Em sua opinião, qual a importância de se criar projetos que contribuam para a formação efetiva de uma periferia "produtora", tanto a nível social, político e até econômico?

Indispensável.
E é exatamente esse o objetivo da Fábrica de Criatividade. Que não é mais um projeto do terceiro setor que aparece para cobrir os buracos do vazio que o Estado deixa sem entender o seu papel político, social e econômico. Nem mais um projeto que repete no seu discurso uma lógica de caridade e filantropia ou de práticas silenciadoras ou que usem a arte e a cultura como “circo” para os participantes do projeto, para, tirá-los do espaço da rua e de disputa, para calar-lhes a boca. A Fábrica existe para contribuir, para dar-lhes voz. E isso só é possível com esse olhar ampliado, de que o projeto existe para contribuir para um processo grande, que é social, político e econômico.
E é através de projetos como esse, que a arte chega até a periferia de São Paulo. Através de pessoas que acreditam, e que doam suas vidas para abrir as portas para aqueles que também merecem entrar.

Agradecimento: Maria Fernanda Carmo - Núcleo Pedagógico
Fotos: Site Fábrica de Criatividade - http://fabricadecriatividade.com.br/

Fábrica de Criatividade
Rua Dr. Luís da Fonseca Galvão, 248 – Parque Maria Helena – São Paulo - a 100 metros da Estação Capão Redondo do Metrô.
CEP: 05855-300 - Tel. 11. 5511-0055

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