quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Na Periferia.


A nova moda do momento é falar da periferia, e nem sempre quem fala é quem vive, ou conhece. Mas falam, divagam, procuram “soluções”. Que a vida é difícil, que o preconceito existe e que tem gente que tem medo de conhecer, todo mundo sabe. Enchente, assalto, barulho, criminalidade, está lá nas páginas do Jornal, e tem em todo lugar, mas é na periferia que “acontece”. Outro dia, uma professora da faculdade disse num tom apavorado: “Gente, vocês já foram numa favela? Já entraram em uma? Ai gente, eu nunca fui, mas disseram que é horrível!” Pois é, horrível mesmo é esse pensamento medíocre que algumas pessoas têm de coisas que elas pré-julgam. Também não vou defender, já que não é por que eu moro nela que eu gosto de falar. Mas é bom deixar as pessoas com seus mundinhos perfeitos, achando que aqui é a zona de guerra dos filmes que elas assistem.
Eu moro no Jardim Ângela desde que eu nasci, aqui é o extremo, o caos, ou o que você achar que seja. O Jardim Ângela é vizinho do Capão Redondo, e já teve 112 homicídios por 100 mil habitantes, no fim dos anos 90 foi apontado pela ONU como a região mais violenta do planeta. Apenas para efeito comparativo, na mesma época o bairro de Perdizes, tinha uma taxa de 6 homicídios por 100 mil habitantes. E existem lugares aqui que eu conheço de ponta a ponta mas que muitos amigos meus não entrariam nem pra salvar a mãe. E pra quem vive aqui é lugar comum. Tudo bem entrar na favela pra comprar pão, visitar um amigo ou cortar caminho. E por isso eu sempre tomei bastante cuidado com o que dizer, e para quem dizer, sobre o lugar onde eu moro, assim como não é qualquer um que eu trago aqui. Não por medo do que vão pensar de mim, e sim pelos julgamentos que as pessoas (como a tal professora) possam ter.
Eu levo uma hora e meia pra chegar ao centro de São Paulo de ônibus, se chover são três. Com as chuvas, as ruas que têm asfalto viram rios, as que não têm viram um mar de lama. Desde criança me acostumei com os tiroteios, gente morrendo de tiro, de faca, de paulada. A escola fechada porque a professora morreu assassinada por um aluno. Essas são coisas que quando a gente cresce, e quer, nos faz pensar e escolher o caminho inverso. Ir estudar, conhecer outras culturas, trabalhar, ocupar a mente. Eu, felizmente, escolhi o meu caminho inverso, mas sei que milhares não escolheram, e preferiram ficar.
Mas ás vezes, tudo é uma questão de escolha. Você escolhe julgar, você escolhe ser julgado. Você escolhe ficar, você escolhe ir em frente.

A periferia é um lugar bom, pra quem é bom pra ela. Pra quem é neutro de preconceitos. Mas está muito longe de ser um exemplo de lugar pra se viver, isso é fato. Falta água, falta luz, tem miséria, tem assalto, tem gente morrendo...e vez ou outra é manchete em algum noticiário. Quem é daqui já tem o remédio pra todas essas feridas, que é enfrentar o preconceito, viver e querer ir além, apesar de tudo isso.

Fotos: Tuca Vieira/ Newton Re Junior.

4 comentários:

Lucio Carvalho / Inclusive disse...

Oi Ana Paula

Muito bom seu texto. Você me autoriza a reproduzi-lo na Inclusive (http://www.inclusive.org.br)? Dá uma olhadinha lá e, se for com a nossa cara, manda um e-mail pra gente (inclusive@inclusive.org.br).

Abraço
Lucio

Marjorie disse...

concordo com você!
Sempre achei que a periferia,lugar onde moro,fosse sempre muito julgado e também mau visto.
Infelizmente essa é a visão que muitos demonstram ter de uma região que apesar de pobre tem muita gente alegre e cheia de sonhos!

Beijão ANA!!!!!!!

Adriele disse...

Parabéns, Ana
Texto ótimo e relevante
Menina de futuro, passado e presente
Beijos

WorkShop BLOG disse...

Oi... td bem??

Somos parceiras em idéias... muito bom o testo... mandou muito!!!

Trabalho com desenvolvimento comunitário... gostaria de usar o seu depoimento sobre a Periferia na abertura de um curso que eu dou... será que vc autoriza???

Manda um e-mail... Luciana.jocum@yahoo.com.br