terça-feira, 4 de maio de 2010

McDonald’s

Estou no McDonald’s da Praça de Espanha de Zaragoza, esperando na fila gigantesca, com os olhos cravados nos anúncios de preços, o dinheiro justo na mão direita, notas amassadas.

Estou agora no subsolo, no piso de cima foi impossível.
Estou sentado ao lado de um garoto negro que tem na mão uma batata amarela untada de ketchup muito vermelho: Santíssima bandeira do outro mundo, o garoto negro que resplandece,meu irmão cego.
O garoto está só, não bebe, não sobrou para a Coca-cola, só batatas.
Só batatas, só batatas, essa desgraça,essa solidão idêntica à minha, compreende?, só deu para as batatas, e está sentado, quieto, em seu trono, a negritude e o garoto,no trono, ali, ali, nesse trono radiante.

MacDonald’s sempre está cheio.
É o melhor restaurante de Zaragoza,uma alegria despedaçada nos despedaça o coração:
Por três euros te enchem de caixas, de copos plásticos, de sacolas, de canudinhos, de bandejas. É o melhor restaurante do mundo. É um restaurante comunista.
Romenos, negros, chilenos, polacos, cubanos, eu mesmo, aqui estamos, debaixo, ao lado de um boneco, ao lado de um cartaz que diz “Amo muito tudo isso”.
Tenho uma bota em cima de um charco de sorvete de creme derretido. Olho o creme comer o salto de minha bota.
Um creme branco, despedaçado.
Arde o sol sem tempo, mexe a mão suja.

Ao meu lado, uma garota de vinte anos diz a um cara de dezessete que não lhe incomodaria transar com ele. Com ele, com ele, um eco negro.
E riem e engolem batatas fritas. E eu engulo batatas fritas.

E dois gays estão comendo em frente o mesmo hambúrguer gotejante, cada boca num lado, e se mancham e se mordem.
E engolem batatas fritas. E se beijam. E se tocam.
E se despedaçam.

Em Londres, em Paris, em Buenos Aires, em Moscou, em Tóquio, na Cidade do Cabo, em Tucson, em Praga, Em Beijing, em Gijón, somos milhões, a tarde esfarrapada, a dor no cérebro, a comida, milhões em milhares de subsolos esparramados pela grande terra dos homens.
Estou em paz aqui com tudo: a carne barata, a vida barata, as batatas baratas.
Me sinto Lênin. Sou Lênin, o gay inusitado, o grande herege, o louco supremo, o filho da última mão miserável que tocou o monstruoso coração do céu.
Se Lênin voltasse, McDonald’s seria o lugar, o palácio sem lua, o gueto das reuniões clandestinas.

Algo importante está acontecendo neste subsolo do McDonald’s da Praça de Espanha de Zaragoza, mas não sei o que é.
Não sei.
De um momento para outro, vamos arranhar a felicidade:
o garoto negro, os namorados, o boneco, o creme do chão, minhas botas.
Botas novas, de couro brilhante, com o bico fino em sinal de morte.
No MacDonald’s, ali, ali estamos. Carne abundante por três euros.

[ Poema do espanhol Manuel Vilas, publicado na Colección Visor de Poesía, 2005 ]

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